quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Meus pedidos de clemência

- Quero conversar...
- Agora ?
- É, agora!

Meus pedidos de clemência eram sempre ignorados.

Ela se ajeita na cadeira inquieta, tenho a impressão que os seus sapatos apertam os pés, o que a deixa com um eterno ar de desconforto, de quem precisa ir ao banheiro. Os dedos apertados dentro do sapato e o cérebro latejando. Ela respira com a boca escancarada, o nariz não funciona. Tenta sem sucesso encontrar espaço para as pernas compridas, elas se embolavam e não cabem em lugar nenhum, nunca. Ela é minha.
Arruma o cabelo atrás da orelha, engole seco, me olha, olha para as pernas avulsas como se não fossem dela, as cruza, descruza, cruza de novo. A boca começa o abre-e-fecha incessante, eu desisto de acompanhar, as mãos desenham no ar movimentos bruscos, sem sentido. Elas se pousam na testa, se cruzam em cumplicidade, se separam, arquitetam mais piruetas confusas no ar. Me deixam tonto, tenho vontade de dar um soco bem no meio do nariz inútil dela. No mais, a sua voz abafada não me diz nada, estou preso entre a lentidão de distinguir os sons e a irritação crescente de não saber o que eles me dizem. Um calor intenso sobe até meu rosto, me deixa vermelho. Ela morde os lábios, com a malícia de atriz veterana. Um balançar negativo de cabeça e um gesto absurdo com as mãos: surge aquela cara sofrida, já velha conhecida, exagerada, fingida, ela se prepara:

- Tá me ouvindo ? Me pergunta em bom som.

A boca me desobedece, por mais que eu tente, os lábios se selam em greve. Meus pedidos de clemência são sempre ignorados.

As sobrancelhas exprimidas numa careta, o choro forçado, engole seco e me diz algo com eloquência, alguma coisa a ver com - a vida é mesmo assim. Num único golpe eu acabaria com aquele nariz inútil, ou libertaria seus pés dos sapatos apertados, meu cérebro lateja. Se pelo menos ela parasse de falar um pouco... se parasse de falar asn...

- Eu não te amo mais!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Fatal

Me reviro na cama inquieta, sonâmbula:
piores que os rabiscos que escrevi,
são os que escreverei.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Encontro

Almas gêmeas?
Não sei…
tanto faz.
O que importa
é que minh'alma
quando encontra a tua
a paz se faz.
Minha alma fica nua,
revela-se, desvela-se e nisso se compraz.
Mas quando o meu
penetra o teu
corpo,
tudo nele se contrai
tudo nele se distrai
e faz-se
morto
de prazer.

     (Chacon, Geraldo. Meu Caderno de Poesia. Ed. Flâmula.)

domingo, 5 de setembro de 2010

Viúva Negra

O que falavam por aí ela sabia muito bem - uma louca, devassa, corrupta... Era mesmo, não podia o negar, louca de rasgar roupa, tirar sangue, borrar o batom vermelho no colarinho recém engomado só pra manchar, e dizer eu te amo, uma, duas, mil, quantas vezes fossem necessárias, com a voz abafada de amante fatal. Aquela loucura inebriante lhe confiava nos olhos um brilho a mais, uma essência de artista desvairada que não poderia ser contida por nada que não fosse no mínimo sobrenatural, um segredo de viúva negra a tecer a armadilha perfeita com a habilidade de uma dama.
A sua teia ela entrelaça no arfar do peito, vestida de intrigante mistério negro, os cabelos soltos e a renda a mostrar-lhe o colo, como desafio ao frágil pudor. Espera, com a falsa paciência do faminto, o jantar que demora a sair.
Assim que ele abrir a porta, o seu olhar mortal o encontrará já desprotegido, imóvel em seus palpos de aranha, e quando finalmente o homem adentrar totalmente no vestíbulo, sua alma já estará há muito entregue ao diabo.

sábado, 4 de setembro de 2010

Sin is honoring desire above what you know is right

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

do mundo...

Ah, e você me pergunta do mundo, meu amigo ?
o mundo é perceber as sombras, pensando estar na luz... veja bem você - se puder - escrever e ler não é mesmo fingir na escuridão ? nada mais do que mentir pra si mesmo: fingem os que escrevem a jurar pacto com a realidade dos sentimentos, fingem o que lêem, a jurar que entendem a loucura. também o falar não é nada mais do que fingir, ou não é certo que as palavras não passam de rabiscos e sons articulados na boca ? o que tem elas a ver com a realidade ? se te ensinam meu caro, desde o berço que 'viver' é 'reviv' o que você diria contra ? nada...não diria nada. só amar, só amar é estar saudável e lúcido, só amar é estar de vez em quando a tomar sol e corar a face, só amar permite o furar do teto para que pinguinhos de luz venham dançar na escuridão. ai você me pergunta do mundo, meu amigo ? o mundo é invenção.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

I'm not the platonic source